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Segunda-Feira, 11 de Março de 2024, 16h:37
Recuperação judicial pode trazer efeitos negativos para a economia e para o produtor

Mato Grosso é um dos líderes nacionais em produção agrícola e tem enfrentado um cenário desafiador para a safra verão 2023/2024, após um longo período de seca que marcou o ano de 2023, provocado pelo fenômeno El Niño. O evento climático extremo alterou a sistemática da produção, que vinha numa tendência de quebra de recordes de produtividade nos últimos anos, mas que agora viu os resultados do estado voltar aos patamares da safra 2021/2022, com alguns produtores recebendo menos chuvas que o necessário e reduzindo sua produtividade.

Diante disso, algumas dificuldades financeiras enfrentadas pelos produtores rurais acendem uma luz amarela e demandam a tomada de decisões para evitar uma situação crítica. Perante a quebra de safra, a propositura de recuperações judiciais como uma alternativa tem preocupado, sendo que a OCB/MT levou sua visão aos órgãos governamentais e instituições representativas para alinhar soluções sustentáveis.

Historicamente, a recuperação judicial é concebida como um mecanismo de reestruturação para empresas em dificuldades financeiras, permitindo-lhes manter a operação enquanto negociam suas dívidas. No entanto, no contexto do agronegócio de Mato Grosso, sua adoção deve ser cercada de cautela porque os produtores podem sofrer com risco de crédito a médio prazo e, ao invés de se recuperar, atravessar um problema ainda maior.
Especialistas do setor agrícola e econômico apontam que, embora possa oferecer um alívio imediato, a recuperação judicial não se configura como uma estratégia de salvação a longo prazo para os produtores rurais.

A empresa ou produtor rural que entra em recuperação judicial deve atentar-se para inúmeros temas. O primeiro deles é que a partir do momento em que o ajuíza um pedido de recuperação judicial todo o mercado de fornecimento de crédito, seja ele bancário ou comercial, no caso dos produtores rurais tradings, revendas e multinacionais, passam a enxerga-lo com um risco maior, o que fatalmente irá impedir seu acesso ao crédito. E quando fornecido será com um custo maior e com mais solicitações de ofertas de garantias, lembrando que isso decorre da própria movimentação comercial que indica o seu credit score, ou seja, o índice que avalia a solvência do produtor.

Frederico Azevedo, superintendente da OCB/MT, explica que “aparentemente, a recuperação judicial é apresentada como a solução para redução de dívidas, mas isso passa longe da verdade. Fato é que o produtor passa a não ser mais gestor de seu negócio, a ter o crédito restrito seja por custo ou por não concessão, e todos os seus credores – sejam agentes de crédito ou um pequeno comerciante da cidade – passa pelo mesmo problema”, ressaltou.

O relato deve-se ao fato de que, a partir do momento em que a recuperação judicial é deferida, o produtor passa a prestar contas de todas as suas ações financeiras a um administrador judicial. De acordo com a Lei nº 11.101/2005, esse profissional tem o dever de fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do Plano de Recuperação Judicial, assim como apresentar relatório sobre a sua execução e juntar aos processos o diagnóstico mensal das atividades. O produtor fica vetado à tomada de decisões patrimoniais, tendo que apresentar as propostas ao administrador judicial, que poderão ser deferidas ou não.

Frederico pondera ainda que durante o período de recuperação, até a sua conclusão, que pode levar até mais de três anos, qualquer compra ou movimentação devem ser justificadas. “A compra de um maquinário mais eficiente, um investimento em uma nova cultura ou área para melhoria da rentabilidade, e até mesmo uma troca de veículo do produtor, mesmo que para uso familiar, ficam aguardando autorização judicial”.

Ainda dentro do cenário do agronegócio, outro ponto que os produtores rurais devem se atentar é quanto ao fato de que inúmeros créditos, que hoje são comuns no dia a dia de suas atividades, não estão afetas à recuperação judicial. Um exemplo é a Cédula de Produto Rural (CPR), emitida para liquidação física ou financeira, extinta das recuperações, como prevista na Lei n° 8929/1994, art. 11. Assim como operações realizadas com cooperativas, uma vez que, nesse caso específico, se trata de uma relação societária e não de comércio conforme prevê o §13 do art. 6º, da Lei nº 11.101/2005.

Por conta deste cenário, a OCB/MT esteve reunida na última semana com membros do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Ministério Público (MP) e da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso (OAB/MT), reforçando a importância da transparência sobre os reais requisitos dos processos de recuperação judicial e seus critérios.

“As reuniões com os órgãos responsáveis decorrem da necessidade de acompanhamento dos graves impactos negativos para a sociedade, devido a uma indústria de RJ´s que estão sendo estimuladas por meio de propagandas e matérias jornalísticas. Isso porque, além dos agentes de crédito, temos que lembrar que pequenos comerciantes como postos de gasolina, borracheiros, colaboradores, fornecedores de insumos, podem ser arrolados em RJ´s e isso pode prejudicar, e muito, a operação do dia a dia de cidades que tem o agro como carro chefe. Além disso, externamos a preocupação de que seja dada a devida publicidade às recuperações judiciais distribuídas, a fim de que os credores possam ter ciência dos arrolamentos de crédito, uma vez que hoje esses dados são obtidos no mercado apenas por meio de acesso ao Serasa e são insuficientes e atrasados”, enfatiza Frederico Azevedo.

Um levantamento realizado pela Serasa Experian mostrou aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial por proprietários rurais em 2023. Estatísticas mais recentes mostram que nos primeiros nove meses foram 80 requerimentos no país, contra 20 em todo o ano anterior, alta de 300%. Para se ter uma ideia desta evolução, no 3º trimestre de 2023 foram 29 pedidos contra dois no mesmo período de 2022, e nenhum no 3º trimestre de 2021.

Ainda de acordo com a Serasa Experian, os produtores rurais que mais solicitaram RJ em 2023 foram aqueles com maiores áreas de soja plantada. Em 2º lugar aparecem aqueles com áreas de pastagem. Entre os estados com maior número de pedidos por parte de produtores rurais pessoas físicas, Mato Grosso aparece em 1º lugar, desde 2021. A quantidade saltou de 3 naquele ano para 15 em 2022, chegando a 26 no ano passado.
Por outro lado, o superintendente da OCB/MT ressalta que a reorganização financeira deve ser o passo a ser seguido.

“O produtor que, eventualmente, tenha tido problemas na safra 2023/2024 pode se valer de iniciativas de renegociação direta com seus fornecedores de crédito e, no caso de recursos tomados com crédito oficial, a apresentação de laudo agronômico informando a gravidade do problema possibilita a prorrogação do vencimento da parcela, de acordo com o Manual de Crédito Rural 2.6.4. No caso de entrega de produtos, tem-se observado que as tradings e indústria estão sensíveis com os produtores que estejam atravessando qualquer problema. Além disso, a contratação de consultoria financeira para reestruturação patrimonial é importante para os produtores averiguarem se, por exemplo, os valores de arrendamento atualmente pagos estão dentro da possibilidade de rentabilidade, ou seja, mais que simplesmente ajuizar uma recuperação judicial que pode aumentar o problema com redução de seu crédito e engessamento patrimonial, é importante uma reorganização financeira e de gestão de sua propriedade”, reforçou Frederico Azevedo.

Dívidas não somem com a RJ

Segundo a advogada Priscila Camargo, o produtor rural tem a previsão legal para se utilizar o instrumento Recuperação Judicial (RJ) quando estiver em uma situação de crise, desde que preenchidos os quesitos legais. Porém, tem-se observado que, muitas vezes, a RJ tem sido usada como a única opção do produtor quando, na verdade, em várias situações, ela se não aplicaria.

“Hoje o ambiente da RJ se tornou muito instável, de insegurança, devido à flexibilização do que está previsto em lei e isso traz um alerta para o mercado”, enfatizou. Priscila lembra que a recuperação judicial não pode ser vista como remédio para todo mal e que o produtor rural pode se reestruturar fora do ambiente judicial, inclusive porque há diversos custos embutidos que precisam ser levados em consideração como com o administrador judicial, honorários, além dos custos emocionais - pois não é um processo simples.

“Todas as suas operações começam a ser fiscalizadas, havendo a necessidade de prestar contas e trazer informações aos autos para maior transparência aos credores. É preciso administrar uma série de processos que surgem e se desdobram. Uma dívida não desaparece, principalmente as extraconcursais que precisam ser encaradas, caso contrário elas vão evoluindo em termos de juros e atualizações monetárias no decorrer do tempo. A percepção que se tem é que elas são deixadas de lado, devido a uma falsa proteção temporária. É importante se atentar à esta questão, há muitos advogados de produtores se utilizando de ferramentas para protelar esse pagamento e, na hora de negociar essa dívida, o valor está muito maior”, alerta a advogada.

Então, antes de entrar com o processo de recuperação judicial, é importante que o produtor faça uma reestruturação extrajudicial do seu negócio, que passa por pilares de gestão, sucessão, avaliação de tomadas de decisão, de um planejamento patrimonial adequado. Desta maneira ele pode ter uma operação mais saudável a longo prazo e resolver um problema de maneira mais simples.

Fortalecimento da Cadeia


A OCB/MT tem se preocupado com o tema diante dos riscos associados à recuperação judicial, a fim de que produtores busquem alternativas que preservem a saúde financeira e operacional de todos os elos da cadeia agroindustrial. A renegociação de dívidas, a diversificação das fontes de crédito, a reavaliação de estratégias e custos como a revisão ou mesmo rescisão de arrendamentos e o investimento em tecnologias que aumentem a eficiência produtiva são estratégias que podem mitigar os impactos financeiros e sustentar o crescimento do setor, e ainda obter uma solução mais sustentável do que simplesmente ajuizar uma recuperação judicial e ter toda a gestão de seus negócios fiscalizada por um administrador judicial e pelo Poder Judiciário.

Para o cooperativismo em Mato Grosso, as cooperativas agrícolas têm atravessado a safra de soja 2023/2024 de forma mista, tendo cooperados com desempenho satisfatório e outros com problemas mais pontuais. Além de situação em que há cooperados sendo amparados por suas cooperativas nas negociações, visando manter a saúde financeira e operacional de ambas.




FECOOP CO/TO - Federação dos Sindicatos das Cooperativas do Centro-Oeste e Tocantins
OCB/MT - Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Mato Grosso
SESCOOP/MT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de Mato Grosso
I.COOP - Faculdade do Cooperativismo





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